segunda-feira, 16 de julho de 2007

O carteiro e o poeta - Antonio Skármeta

O carteiro e o poeta (Ardiente paciencia - 1985)

"(...) Mas também queria pedir uma coisa, Mario, que só você pode cumprir. Todos os meus amigos ou não saberiam o que fazer ou pensariam que sou um velho caduco e ridículo. Quero que você vá com este gravador passeando pela Ilha Negra e grave todos os sons e ruídos que vá encontrando. Preciso desesperadamente de algo, nem que seja o fantasma da minha casa. A minha saúde não anda nada bem. Sinto falta do mar. Sinto falta dos pássaros. Mande para mim os sons da minha casa. Entre no jardim e faça soar os sinos. Primeiro grave esse repicar suave dos sininhos pequenos quando o vento bate neles, e depois puxe o cordão do sino maior cinco, seis vezes. Sinos, meus sinos! Não há nada que soe tão bem como a palavra sino se a pendurarem num campanário junto ao mar. E depois vá até as pedras e grave a arrebentação das ondas. E se ouvir o silêncio das estrelas siderais, grave (...)”

Eis uma obra que guarda curiosas singularidades em seu processo de concepção. Antonio Skármeta, chileno descendente de croatas, escreveu primeiramente “Ardiente paciencia” na Alemanha, para a difusão em uma rádio daquele país em 1985 e, apenas posteriormente, publicou a história no formato livresco, no mesmo ano.

Mario Jiménez, um pobre pescador que mora com seu pai, descobre desde bem cedo a sua completa inaptidão para os labores marítimos e, além disso, para o dissabor de seu genitor, mostra-se preguiçoso para certas tarefas e demonstra uma frágil saúde face às influências de um clima litorâneo. Por outro lado, é demasiado apaixonado por filmes e, às custas do pai, ocasionalmente satisfaz seu prazer no cinema da comuna de San Antonio. Todavia, a raridade de tal deleite faz com que um dia, ao se defrontar com um anúncio de vaga, o jovem Mario tome a iniciativa de entrar na agência de correios de sua localidade e prontamente se ofereça para o preenchimento de uma vaga de carteiro.

Seu chefe logo lhe adianta que, num local apinhado de pescadores e pessoas humildes, Mario apenas terá um destino, que é a casa do único homem de Ilha Negra que recebe correspondências, e as recebe em enorme quantidade: Pablo Neruda.

O que inicialmente era apenas uma admiração curiosa passa a ser uma forte amizade entre o poeta, Prêmio Nobel de Literatura de 1971, e o carteiro. Mario anseia, com uma paciência quase indômita (daí o título original), que Neruda lhe dedique um livro, e que o faça com uma fartura de palavras. A peculiar afeição entre os dois se intensifica na medida em que Mario descobre em sua sensibilidade o dom poético e o deslumbre pelas metáforas, bem como, principalmente, quando descobre seu amor por uma jovem conterrânea.

“O carteiro e o poeta” é uma obra sobre poesias, tanto aquelas escritas quanto as vivenciadas, em uma descarada homenagem à poética por vezes escondida no cotidiano, que lateja apenas aos olhares mais sensíveis. A linguagem é bastante característica, no melhor estilo dos escritores latino-americanos e, neste livro, notadamente intensa, com um humor sutil, muita ironia, bem como um erotismo marcante e saboroso. As metáforas são muito mais que meros detalhes neste mundo que mescla ficção e realidade, criado por Skármeta, alcançando a posição de protagonistas, peças fundamentais neste enredo – quem lê “O carteiro e o poeta” dá um novo significado às metáforas.

O enredo é temperado por alguns fatos da política chilena, sem que isso signifique que tais detalhes sejam colocados no eixo principal da obra. Skármeta inicia o relato em 1969, passando pelo governo de Salvador Allende, deposto pelo sangrento golpe militar do paspalhão General Augusto Pinochet. É no fim de “O carteiro e o poeta”, um livro que, acima de tudo, fala sobre amizade e amor, que percebemos um leve protesto à fétida mancha histórica representada pelas arcaicas e ridículas ditaduras da América Latina.

A obra de Skármeta inspirou duas adaptações para o cinema, sendo que a última destas é bem mais conhecida. Trata-se de “Il postino”, de 1994, dirigido por Michael Radford, e que traz algumas adaptações: a história se passa na Itália pós- guerra (1945), Mario é bem mais velho e tem o sobrenome Ruoppolo, e Neruda encontra-se exilado naquele país, além de outras sutis alterações que em nada maculam a beleza do filme, que no Brasil recebeu o mesmo título do livro (inclusive, o sucesso estrondoso dos filmes fez com que Skármeta mudasse o título original para “El cartero de Neruda”).

Enfim, para terminar com uma recomendação, leia “O carteiro e poeta” e, se possível, assista “Il postino”, e, depois destas experimentações, aprenda a ver poesia, beleza e, acima de tudo metáforas, em todos os lugares, mesmo nos mais rotineiros detalhes da vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito da resenha, explicou com simplicidade e objetividade o livro.Estou com ele em mãos e vou ler hoje mesmo.

Anônimo disse...

Gostei muito da Resenha foi explicada com objetividade e clareza.Estou com o livros em mãos e vou ler hoje mesmo.
abraço.