domingo, 15 de abril de 2007

O homem que matou Getúlio Vargas - Jô Soares

O homem que matou Getúlio Vargas (1998)

Dimitri Borja Korosec, nascido na Bósnia em 1897, é filho de um anarquista sérvio e uma contorcionista brasileira que fugiu de sua pátria para acompanhar uma trupe circense. A mãe de Dimitri guarda uma peculiaridade em suas espúrias origens, uma vez que é filha de uma escrava com o coronel Manoel Vargas, pai de Getúlio Vargas.

Por influência de seu pai, o jovem Dimitri ingressa na Skola Atentatora, uma instituição que forma assassinos profissionais, especializados em atentar contra ditadores e políticos “opressores”. Todavia, o já obstinado rapaz, além de uma anomalia que o faz ter um dedo indicador a mais em cada mão, é caracterizado por ser explícita e exageradamente desastrado.

Após concluir seus “estudos” na delicada arte de matar, o jovem anarquista parte em uma inflexível cruzada tendente a exterminar todos os ditares e opressores do mundo. Em sua insólita jornada, Dimitri presencia o estopim da Primeira Grande Guerra, participa diretamente deste conflito, conhece Marie Curie e Mata Hari, sendo que esta última no Orient Express, passa pelo fantástico mundo Hollywoodiano, conhece Al Capone e a nata da máfia de Chicago e, dentre inúmeros outros destinos, passa pelo Brasil, tão mencionado por sua mãe e que lhe inspira várias curiosidades. As destinações e personalidades mencionadas acima são apenas exemplos de um enredo feito no melhor estilo “Forrest Gump” (1985), um livro de Winston Groom que baseou o filme de Robert Zemeckis.

E são nestas curiosas bases que Jô Soares estrutura - com maestria - “O homem que matou Getúlio Vargas”, uma simples, acessível e deliciosa obra que mistura inteligentemente História e ficção, absurdo e realidade. E essa combinação é feita com tanta perícia (e, principalmente, tanto cinismo) que o leitor não interrompe a leitura para se questionar acerca da veracidade ou coerência dos fatos, limitand0-se a devorar as páginas, aceitando como a mais pura verdade todas as passagens e acontecimentos da vida de Dimitri Borja Korosec.

Muitos resistem à leitura das obras de Jô Soares, por vezes fundamentando sua resistência na presumida personalidade egocêntrica do autor. Todavia, convém ressaltar que, mesmo que tais oposições possam ser pertinentes, elas não significam de modo algum uma suposta diminuição de qualidade dos escritos. Vale a pena ler esta preciosa obra, que quando é terminada deixa uma suave sensação de “querer mais”.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

O inverno da guerra - Joel Silveira

O inverno da guerra (2005)


“Ao contrário do poeta, não foi exatamente por delicadeza que naqueles quase nove meses perdi parte de minha mocidade, ou o que restava dela. A guerra, repito, é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve.”

O ano era 1944. Na assolada Europa a Segunda Guerra Mundial já se encontrava nos princípios de um agonizante fim. No Brasil, o presidente dos “Diários Associados” (um enorme conglomerado empresarial da imprensa à época), Assis Chateaubriand, convocou o jornalista Joel Silveira para a cobertura das incursões da Força Expedicionária Brasileira na Itália fascista do tresloucado Mussolini; e o fez com as seguintes palavras, diante do já fardado jornalista de 26 anos: “Silveira, me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra mas não morra. Repórter não é para morrer, é para mandar notícias.”

E com esta ordem seguiu para a Itália o jovem e competente correspondente de guerra, que lá se juntou a Rubem Braga (Diário Carioca), Egydio Squeff (O Globo) e Thassilo Mitke (da Agência Nacional), além de ter convivido com muitos outros repórteres compatriotas e de outros países.

Escritos em forma de diário, alguns dos melhores textos de Joel são trazidos neste intenso e singular livro, onde nos são mostrados, com simplicidade e um certo lirismo, a rotina no front e o deslinde dos avanços da FEB. Tais relatos foram originalmente publicados no mesmo ano em que a Segunda Grande Guerra havia terminado – 1945 - no livro “Histórias de Pracinhas”. A atual edição, trazida pela Objetiva (vide foto acima), conta com um maravilhoso e inédito texto autor, que apresenta - com muita sensibilidade - a obra ao leitor, servindo também como um singelo desabafo aos anos e anos de comentários insensíveis e impensados, que insinuavam ter sido um mero “passeio” a participação do Brasil na guerra, bem como classificando como “fácil” o trabalho dos correspondentes na Itália.

“O inverno da guerra” pertence a uma primorosa coleção chamada “Jornalismo de Guerra”, da editora Objetiva, inaugurada com “A Queda de Bagdá”, de Jon Lee Anderson e que também conta com o excelente “O Gosto da Guerra”, de José Hamilton Ribeiro, repórter brasileiro que cobriu a guerra do Vietnã. Vale a pena dar uma olhada nesta arrebatadora coleção, que promete lançar os mais fortes e célebres relatos dos maiores conflitos bélicos dos séculos XX e XXI.

Enfim, este relato de Joel Silveira é indubitavelmente uma ótima oportunidade para conhecer, mesmo que superficialmente, alguns aspectos de um dos mais importantes episódios da história do Brasil, às vezes tão injustamente esquecido ou menoscabado.