sábado, 23 de junho de 2007

Memória de minhas putas tristes - Gabriel García Márquez

Memória de minhas putas tristes (Memoria de mis putas tristes - 2004)

"No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:
– É hoje.”

Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura de 1982, lançou esta curtíssima obra após longos anos sem publicar novidades. Em razão deste longo período de abstinência, muitos leitores não se satisfizeram ou acabaram menoscabando “Memória de minhas putas tristes”.

O certo é que não se trata de um romance propriamente dito, por ser um livro demasiado curto - mas não tão breve a ponto de ser considerado apenas um conto. O importante é ter em mente que este é um livro explicitamente despretensioso no qual, certamente, o autor não buscou criar um épico da literatura mundial, e sim expor algumas reflexões sobre vida, amor e a fusão indissociável destes dois fatores em todos nós. Em suma, pode-se apenas dizer que se trata de uma deliciosa e surpreendente leitura, rápida, porém marcante, que mostra quão irrelevantes são quaisquer discussões quanto ao seu número de páginas.

O enredo se desenvolve com as reflexões de um escritor já em avançada idade, que passou a vida toda desenvolvendo tarefas em uma redação de um certo jornal, as quais reputa desanimadoras, fúteis e inspiradoras de um fracasso, além de ter sido professor em escolas públicas, sem vocação e tato ou compreensão com os alunos.

Ao se tornar um nonagenário, o protagonista deseja presentear-se com uma noite de amor com uma virgem. A dona de um prostíbulo, conhecida de longas datas, em resposta à demanda que lhe fora apresentada, consegue uma menina de 14 anos. Ao ter seus encontros com o objeto de seu desejo, o velho senhor se apaixona pela figura adormecida da menina e passa a dedicar todo seu amor àquela nova criatura, surgida em sua vida apenas nestes momentos finais.

São inegáveis as influências oriundas de “A casa das belas adormecidas”, de Yasunari Kawabata, cuja história trata de um bordel onde os anciões pagam para vislumbrar mulheres sem poder tocá-las, enquanto estas permanecem dopadas e em sono profundo (um trecho desta obra do autor japonês prefacia o livro de García Márquez).

É impossível não notar no relato leves traços biográficos de Márquez e, exatamente por isto, percebe-se que o autor, em “Memória de minhas putas tristes”, utiliza-se do personagem para deixar transparecer muitas de suas reflexões.

Como não poderia deixar de ser, o livro é repleto de frases carregadas de filosofia e sentimentos, em uma notável linguagem flexível, contundente e arguta – digna de Márquez.

Em verdade, o grande trunfo de Márquez nesta obra é que, após a sua rápida leitura, o leitor é forçado a entrar em uma meditação profunda sobre amor, velhice, sexualidade e idealização, tudo embebido em uma atmosfera onírica e poética.

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