domingo, 24 de fevereiro de 2008

101 dias em Bagdá - Åsne Seierstad

101 dias em Bagdá

(Hundre og én dag: En reportasjereise, 2006)


A primeira coisa que vi foi a luz. Penetrou-me pelas pálpebras, abriu caminho pelo sono com carícias e deslizou até o sonho. Não era como a luz da manhã que eu costumava ver, não era branca e fresca, mas sim dourada. Com os olhos entreabertos em frente a uma janela com grandes cortinas de tule, entrevejo as poltronas estampadas, uma mesa bamba, um espelho e um armário. Há um esboço mal pintado na parede de um bazar no qual sombras de mulheres com grandes xales pretos deslizam pelas ruelas lúgubres.

Estou em Bagdá!

A norueguesa Åsne Seierstad, mais conhecida por seu best-seller "O livreiro de Cabul", também é autora de "101 dias em Bagdá", obra jornalística na qual ela demonstra toda sua competência e experiência como correspondente de guerra. Åsne já havia participado da cobertura jornalística de confrontos na Sérvia e no Afeganistão, provendo informes e matérias para diversas agências de notícias do globo.

Além dos usuais relatos da própria guerra, este livro destaca-se pelos ricos detalhes da cultura e dos costumes iraquianos, e também pela exposição das dificuldades compartilhadas pelos jornalistas e civis durante as amargas privações e provações dos períodos bélicos. É dividido em três partes, que integram os fatos anteriores à invasão do exército americano, o período durante a ocupação e, por fim, as conseqüências e desfechos dos acontecimentos.

Alguns críticos consideram “101 dias em Bagdá” uma narração monótona e desinteressante, pelo fato de a autora, ao querer retratar a Bagdá anterior ao ataque dos americanos, ter esbarrado em iraquianos que não ousavam censurar os atos de Saddam Hussein e tampouco criticavam abertamente o regime instalado no país. Os doutrinados iraquianos se limitavam a repetir velhas frases de ordem e ódio aos norte-americanos e seus aliados, sempre as mesmas, e, obviamente, frases igualmente pré-elaboradas sobre seu endeusado líder.

Além disso, os tradutores da autora não ajudavam muito no trabalho de coleta de informações. Ora, mas será que, mesmo neste cenário negativo, o registro do silêncio de toda uma nação diante de uma opressão com ares de divina não merece realce? É possível sim surpreender-se - e muito - com a exposição do cotidiano de uma cidade e um povo, aterrorizados e desorientados tanto pelo incoerente e insano Hussein como pela iminência da invasão americana.

"101 dias em Bagdá" tem uma narrativa peculiar, fundada na lucidez da autora, que sabe ser cautelosa nos momentos mais dramáticos dos acontecimentos, sem, todavia, deixar de manter sua ousadia na maioria dos transtornos e perigos vivenciados.

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