domingo, 24 de fevereiro de 2008

Harry Potter e a Pedra Filosofal - JK Rowling


Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Philosopher's Stone, 1997)

À primeira vista, mesmo para os olhares nada preconceituosos, podem parecer unicamente destinadas ao público infantil as aventuras de um jovem garoto que se descobre bruxo e passa a estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

Porém, é seguro dizer que os livros da série Harry Potter estão muito além de um rótulo tão limitador e simplista. O dom da britânica Joanne Kathleen Rowling para contar histórias - de um modo prazeroso e envolvente - é tão brilhante quanto raro, ainda mais nestes tempos onde a mesmice parece ganhar cada vez mais terreno em vários campos das diversas artes.

O mundo de fantasias criado por esta talentosa escritora nos cativa de um modo viral logo nas primeiras páginas de “Harry Potter e a pedra filosofal”, sendo muito difícil não querer ter logo em mãos todos os próximos volumes.

Pode parecer um atraso falar deste livro após tanto tempo desde seu lançamento, mas é preciso compreender que muitos não gostam de ler grandes sucessos literários quando dos seus lançamentos, preferindo analisá-los longe do fervor das emoções que envolvem as discussões referentes a best-sellers.

Esta resenha não pode, nem poderia pretender ser, uma análise de toda a saga do jovem Potter, até mesmo porque o autor deste blog ainda não transpôs as barreiras do quarto volume da obra, de modo que a presente resenha é simbólica e provisória diante de todos os livros da série, apesar de apenas destacar o títutlo de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Entretanto, é possível falar um pouco sobre a criadora de todos estes relatos fantásticos.

Expulsa de casa pelo marido após uma briga, Rowling teve que cuidar de sua primeira filha enquanto tentava reconstruir sua vida e enquanto vivia contando apenas com o seguro-desemprego. A feroz força de vontade da autora encontrou o precioso dom de contadora de histórias, fazendo nascer, na mesa de locais como coffee shops, em Edimburgo, "Harry Potter e a pedra filosofal", o primeiro da série e, logo de cara, um sucesso mundial. Todavia, os rudimentos e principais personagens do seu primeiro livro já estavam sendo criados há alguns anos.

Longe de ser, como já se disse, uma leitura aprazível apenas ao público infanto-juvenil, os livros de Rowling sabem como apaixonar todos aqueles que admiram uma história muito bem contada.

101 dias em Bagdá - Åsne Seierstad

101 dias em Bagdá

(Hundre og én dag: En reportasjereise, 2006)


A primeira coisa que vi foi a luz. Penetrou-me pelas pálpebras, abriu caminho pelo sono com carícias e deslizou até o sonho. Não era como a luz da manhã que eu costumava ver, não era branca e fresca, mas sim dourada. Com os olhos entreabertos em frente a uma janela com grandes cortinas de tule, entrevejo as poltronas estampadas, uma mesa bamba, um espelho e um armário. Há um esboço mal pintado na parede de um bazar no qual sombras de mulheres com grandes xales pretos deslizam pelas ruelas lúgubres.

Estou em Bagdá!

A norueguesa Åsne Seierstad, mais conhecida por seu best-seller "O livreiro de Cabul", também é autora de "101 dias em Bagdá", obra jornalística na qual ela demonstra toda sua competência e experiência como correspondente de guerra. Åsne já havia participado da cobertura jornalística de confrontos na Sérvia e no Afeganistão, provendo informes e matérias para diversas agências de notícias do globo.

Além dos usuais relatos da própria guerra, este livro destaca-se pelos ricos detalhes da cultura e dos costumes iraquianos, e também pela exposição das dificuldades compartilhadas pelos jornalistas e civis durante as amargas privações e provações dos períodos bélicos. É dividido em três partes, que integram os fatos anteriores à invasão do exército americano, o período durante a ocupação e, por fim, as conseqüências e desfechos dos acontecimentos.

Alguns críticos consideram “101 dias em Bagdá” uma narração monótona e desinteressante, pelo fato de a autora, ao querer retratar a Bagdá anterior ao ataque dos americanos, ter esbarrado em iraquianos que não ousavam censurar os atos de Saddam Hussein e tampouco criticavam abertamente o regime instalado no país. Os doutrinados iraquianos se limitavam a repetir velhas frases de ordem e ódio aos norte-americanos e seus aliados, sempre as mesmas, e, obviamente, frases igualmente pré-elaboradas sobre seu endeusado líder.

Além disso, os tradutores da autora não ajudavam muito no trabalho de coleta de informações. Ora, mas será que, mesmo neste cenário negativo, o registro do silêncio de toda uma nação diante de uma opressão com ares de divina não merece realce? É possível sim surpreender-se - e muito - com a exposição do cotidiano de uma cidade e um povo, aterrorizados e desorientados tanto pelo incoerente e insano Hussein como pela iminência da invasão americana.

"101 dias em Bagdá" tem uma narrativa peculiar, fundada na lucidez da autora, que sabe ser cautelosa nos momentos mais dramáticos dos acontecimentos, sem, todavia, deixar de manter sua ousadia na maioria dos transtornos e perigos vivenciados.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Os Nazistas e a Solução Final - Mark Roseman


Os Nazistas e a Solução Final (The Villa, the Lake, the Meeting - 2002)

“Mas o Protocolo é ainda mais revelador. Com gélida precisão, Heydrich esclareceu que a morte dos judeus aptos ao trabalho estava programada. Eles seriam ou esmagados pelas condições de trabalho ou assassinados por terem sido resistentes o bastante para sobreviver a elas.”

Este livro do historiador e professor da Universidade de Southampton, Mark Roseman, expõe em todos os detalhes a negativamente famigerada Conferência de Wannsee. Certamente, a maior relevância desta obra é expor as misteriosas origens de um triste fato histórico, que muitos conhecem apenas em suas conseqüências, seguramente mais óbvias e notórias.

A reunião, envolvendo proeminentes membros do Partido Nazista, oficiais da SS e alguns funcionários civis de certa relevância, foi realizada às margens do lago Großer Wannsee, nos subúrbios de Berlin, em 20 de janeiro de 1942. Apesar de ter durado apenas noventa minutos, neste encontro foi possível expor as linhas mestras sobre as quais iria se desenrolar um dos mais cruéis genocídios da história da humanidade.

Das trinta cópias do Protocolo de Wannsee (ata, do alemão Protokoll), apenas uma sobreviveu ao fim da guerra e foi descoberta por assistentes de um promotor americano durante a coleta de documentos para o Julgamento de Nuremberg. E foi exatamente essa cópia, de número 16, que descortinou ao mundo a frieza que ilustraria o Nazismo para as gerações futuras.

Entre guloseimas, drinques e charutos, os descontraídos participantes da Conferência de Wannsee debateram aquilo que já havia sido feito com relação aos judeus até 1941, bem como discutiram o que já se denominava, àquele momento, de “solução final da questão judaica” (Endlösung der Judenfrage), esclarecendo alguns pontos controversos e ratificando tudo o quanto Hitler e Himmler já haviam determinado. A reunião era a ocasião para apresentar, aos diversos atores do staff nazista, os planos e diretrizes daquilo que viria a ser o holocausto dos judeus pelo nazismo. Na linguagem eufêmica do documento, debatia-se quanto à “evacuação” de judeus para o leste.

Os trabalhos naquele dia foram conduzidos por Reinhard Heydrich (foto ao acima), o jovem SS-Obergruppenführer (General da SS), de apenas 37 anos, mas que já era chefe do Reichssicherheitshauptamt (líder de um corpo que incluía a Gestapo, a polícia criminal nazista e a SD - Sicherheitsdienst), um dos capachos mais próximos de Himmler, mas que já havia saído da sombra deste. Ironicamente, Heydrich, que capitaneara a conferência e, com isso, havia angariado respeito e poder, morreria em um atentado em Praga, meses depois.

A densidade das informações pode entediar os leitores menos acostumados a livros históricos sobre temas velados, apenas vislumbráveis por dados documentais extremamente burocráticos, envolvendo muitos memorandos, comunicações, números, cálculos e disposições logísticas.

Mesmo assim, esta obra não deixa de ser uma leitura necessária a todos que queiram descobrir como os nazistas discutiram, esclareceram, planejaram e executaram a morte cruenta de seis milhões de judeus, além de ciganos, alemães opositores ao nazismo, e outras minorias.