Milagre nos Andes - Nando Parrado e Vince Rause
Milagre nos Andes: 72 dias na montanha e minha longa volta para casa (Miracle in the Andes: 72 days on the mountain and my long trek home - 2006)
"Cochilei um pouco, uma meia hora talvez, e então despertei, assustado e desorientado, com uma força enorme pressionando o meu peito. Alguma coisa estava muito errada. Senti uma umidade gelada contra o rosto e um peso enorme me esmagava de tal forma que expulsava o ar dos meus pulmões. Após um instante de desorientação, entendi o que acontecera – uma avalanche havia descido a montanha e enchido a fuselagem de neve. Houve um momento de silêncio total, então ouvi um rangido lento, líquido, à medida que a neve solta se assentava sobre o próprio peso e se depositava ao meu redor como uma rocha. Tentei me mexer, mas meu corpo parecia estar envolto em concreto e não conseguia mover um dedo. Consegui algumas respirações curtas, mas logo a neve se amontoou na minha boca e nas minhas narinas e comecei a sufocar.”
No dia 13 de outubro de 1972, um avião da Força Aérea Uruguaia, transportando 45 pessoas, caiu na inóspita Cordilheira dos Andes. Entre os passageiros estavam os jogadores do time uruguaio de rugby “Old Christians”, alguns torcedores e familiares, que iam participar de uma partida amistosa na capital do Chile. Os terríveis e impressionantes acontecimentos vividos pelos sobreviventes foram narrados, pouco tempo depois, no chocante livro “Os sobreviventes: a tragédia dos Andes” (Alive: The Story of the Andes Survivors, 1974), do britânico Piers Paul Read, que fez muito sucesso e inspirou ainda o filme “Vivos” (Alive, 1993), do diretor Frank Marshall.
Em 2006, lançou-se “Milagre nos Andes”, co-escrito por um dos sobreviventes, Fernando Seler “Nando” Parrado, e o norte-americano Vince Rause.
Muitos poderiam questionar qual seria a aceitação de mais um livro sobre um fato já relatado, ainda mais como o foi no livro de Piers Paul Read, extremamente detalhista e fielmente baseado em relatos dos sobreviventes.
Vince Rause sentiu esta mesma dúvida ao ser convidado para co-escrever “Milagre nos Andes”, ainda mais com os auxílios de um sobrevivente, com incertos dotes de narrador, como ele pensou. Nos agradecimentos do livro ele mesmo relata com clareza este momento de insegurança, que apenas durou até a primeira conversa que teve com Nando Parrado.
O diferencial deste livro não reside apenas no fato de ele ser co-escrito por um dos sobreviventes, mas também em razão da singular visão de Nando Parrado que, com sua sensibilidade e angústias mais íntimas, levam o leitor a reflexões que vão desde os pensamentos mais tolos e desesperados até o extremo dos questionamentos sobre a existência de Deus. Todavia, é óbvio que um relato feito diretamente por um sobrevivente é mais vigoroso e, neste caso, acaba criando uma nova maneira de encarar todas as amarguras e dificuldades sofridas nos Andes, desde as providências tomadas imediatamente após a queda, passando pela agressividade climática nas montanhas, como também nas considerações sobre o uso do canibalismo como meio de sobrevivência e os sacrifícios na busca de ajuda.
Sem quaisquer exageros, logo após as primeiras páginas de “Milagre nos Andes” já é possível perceber se tratar de um daqueles livros que não serão largados até o seu fim.
Eis uma obra que acaba sendo uma feliz surpresa em meio às enfadonhas prateleiras de best-sellers e livros vendidos em supermercados.